Um Menino escrevendo crônicas ou um livro com a força
da Infância, potência, do Menino que quer crescer com palavras. Sem angústias
de escolha, podemos pensar nesses e em outros caminhos, com o rio que corre
para muitos cantos, desdobrando-se, em mote para as invenções de Bruno Paulino.
“Lá nas marinheiras e outras crônicas” pode ser visto como título que se ancora
em tradições, marcas poéticas difundidas, e que traz ao mesmo tempo o outro, em
que o vivido pelo autor vai navegando com o que escolhe: a rotina, os
encontros, os repertórios da Cultura, nomeados e digerindo-se, a cidade, as
pessoas, os personagens, que assim tomam forma no percurso do autor.
Andando pela cidade cortada (ou unida?) pelo rio, Bruno
percorre as margens, de modo diverso, promovendo e tecendo encontros ao
arriscar-se na viagem com palavras. É a imagem do rio que surge, por exemplo,
“nos caminhos de Quixeramobim ao lado de Ariano Suassuna”. Texto que se faz
crônica por informar e comentar aspectos diversos, a partir da visita do escritor
à cidade, também chamada de coração.No referido texto em que se vê o informador que
reflete, surgem descrições, cortes, e, meio matreiro, o espectador da visita
ousa mais um pouco e consegue, talvez aliado à emoção, interpretar poetando,
interferindo.
E a interferência, pela inquietude do tempo, é destaque
na ação histórica de escrever a partir de memórias. Não as repetindo
nostalgicamente apenas em forma de relato, como por vezes se faz na província.
Bruno Paulino se vale das “coisas passadas, que nunca passarão”, como diz na
mesma crônica sobre a visita de Suassuna, propondo, observando e lançando
olhares sobre os acontecimentos, a partir do que vive, do que até ele chega,
mostrando, através da ação de escrever, que é possível realizar.
As memórias não se incluem nos textos do livro pelo
passadismo, ou por um queixume sobre o ocorrido que teria sido melhor. À sombra
de um pé de cajá — título de uma das crônicas, é possível descortinar outros
lugares, como Bruno bem faz ao provocar os leitores através do que viveu com
amigos e familiares. Memória futura projetada pela criação do cronista, a ser
vasculhada e saboreada por cada leitor, conforme vive e sente.
Um dos méritos do livro nas crônicas é mostrar que a
poesia não está só em quem escreve, mas em quem a vive e pode perceber de
formas diversas. É nesse caminho que o cronista nos mostra a mãe aproximando,
por meio da poética, o pai dela, Luís Paulino, avô do cronista, com o poeta
pássaro do Assaré: Patativa e outras aves que se cruzam em muitos voos.
Em vez de pensar em retornar no tempo, apostemos nas descobertas. E aí estão as muitas descobertas, dominadas pelas referências artísticas que rondam o leitor que agora oferta. Entre elas são citados Alencar e Rosa, que criam a partir da lenda do vaqueiro Menino, maiúsculo, pois poético. O diálogo entre gerações é um caminho percorrido para desencadear nos leitores afetividades vividas pelo cronista. Artifício? Não somente, ainda que um dos caminhos que o sujeito vai ensaiando para se fazer cronista. Vai comentando o que se passa e imprimindo um olhar, indagando e propondo, buscando modos de dizer.
Assim, na ponte entre as gerações, surge também o autor
como tradutor. Tradução do que se viveu em grupo, para a forma de como se passa
a perceber e se apresentar para o futuro em forma de crônica, gênero com muitas
possibilidades. Em uma delas o autor vai mencionando nomes consagrados para,
como se nos driblasse, desvelar questões que considera importantes. O que vai
importar para Bruno, que bem percorre as memórias, não é o modelo de adulto
buscado cronologicamente, mas, no passar do tempo, carregar da infância a força
criativa, buscando sempre o novo, inventando, chamando-nos a pensar sobre o
mundo e remexendo-o, como nos espaços que surgem nas próximas páginas.
Danilo Patrício é Jornalista, doutorando em História
pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
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