Não sou de escrever resenhas, pois elas não trazem uma análise
da obra, no mais só nos proporciona um resumo, às vezes um tanto conturbado, da
obra. Portanto, o que se segue neste texto não é uma resenha, mas não é,
também, propriamente uma crítica. São antes considerações sobre o livro do
escritor cearense Bruno Paulino “Lá nas Marinheiras e outras crônicas” ao qual
tive contato recentemente.
Considerações sobre a escrita, o tema e sobre a crônica, que é o
gênero do livro. Comecemos pelo final, a crônica. Por qual motivo um escritor
contemporâneo se deteria num gênero considerado por muitos como “menor”? Como a
crônica passará da efemeridade à perenidade? Sendo livro de estreia não seria
melhor um romance e demarcar assim um lugar, se é que existem lugares marcados
na literatura? E como fugir ao regionalismo produzindo no interior do Ceará
crônicas da paisagem local?
Assim como a filosofia é feita de perguntas, e não de respostas,
não pretendo, em matéria literária, responder minhas indagações. Somente
discuti-las. A crônica nunca foi gênero menor, mas sempre foi tratada pela
crítica como tal, isto desde Machado de Assis. Mas foi por meio dela, essa
pequena, que as novelas eram publicadas em capítulos nos anos iniciais do
aparecimento do jornal, entretanto se ela fora vista como algo menor, em
questão de gênero, quanto ao conteúdo serviu como ferramenta ideal para crítica
seja nos debates literários, sociais, culturais ou, ainda, na representação das
cidades, do urbano ao rural, do centro ao marginal. É dentro dessa
representação da cidade que encontramos as crônicas de Bruno Paulino, revestida
de certo saudosismo de um passado que não viveu é que o escritor vai falando de
sua Quixeramobim.
Universal e regional
Penso que a escolha pelo saudosismo fora para fugir da
efemeridade da crônica, mas se me permite meu caro Paulino, senti falta de
maior abordagem do presente em sua escrita, não entenda como crítica, pois não
é, só apontamento. O saudosismo poderia ser aproveitado para um maior trato com
o social e a crítica, como na crônica “Quanto tempo temos antes de voltarem
aquelas ondas?”, que versa sobre a enchente de 1974 na cidade de Quixeramobim
em que áreas construídas na margem do rio foram alagadas, deixando claro um
problema de habitação e planejamento urbano.
Quanto à escrita, Paulino faz alternações que creio importante
ressaltar aqui: ora o cronista escreve mais “despreocupado” e bem próximo de
uma linguagem informal, ora uma linguagem de tom mais acadêmico, dou exemplos.
A crônica “Ah, quentura medonha!!!” trabalha uma linguagem simples, bem oral, e
portanto, próxima de um público menos letrado, ao mesmo tempo que mescla com
referências a textos clássicos que não exigem um conhecimento prévio do leitor
para capturar as comparações “brincadeiras à parte, o caso é sério, é mais que
sério, é de rachar a moleira meu caro amigo, é quentura de fazer inveja a
qualquer inferno de Dante, são 35 graus no termômetro sem direito a nenhuma
chuvinha”. O leitor entende que inferno de Dante deve ser algo muito quente sem
necessariamente conhecer a obra de Dante.
Ora surge uma linguagem que se quer academicista mas não se faz,
o que é bom. E creio que seja melhor não fazer este tipo de escrita, pois nem
na Academia ela é mais suportável. O que fica da linguagem é uma reunião entre
o popular e o clássico, mas tenho impressão que o cronista tentou por vezes
transparecer mais a segunda que a primeira linguagem. Uma crônica que a
considero no tom da linguagem, que não fica nessa tensão, mas sim as une, é
“Anedotas de Quintino Cunha em Quixeramobim” é universal e regional ao mesmo
tempo.
Homem inatual
Quanto ao regionalismo não creio em tal figura, não como
praticam particularizando personagens, enredo, linguagem, ambiente a um lugar.
Todo regionalismo deve ser antes universal, caso contrário é literatura menor.
Escrever crônicas de uma cidade do interior cearense necessariamente não é
regionalismo, não é particularizar a escrita, talvez isso tenha surgido da
tentativa ter voz, entretanto o tiro saiu pela culatra, o regionalismo se
particularizou tanto que ficou ainda mais afastado da literatura que denominam
Brasileira, pois infelizmente o lugar de onde se escreve, seja o físico ou
ambiente, é ainda condição para conceituações como literatura brasileira,
regional...
Creio que Bruno Paulino não se limita a este pensamento em suas
crônicas, outros autores também relataram suas cidades em crônicas como João do
Rio e Lima Barreto, o fato é que o tema não conduz a uma escrita regional, isto
só vai ocorrer se assim batizarem o livro, coisa que não desejo.
Paro por aqui, mesmo não sendo uma crítica é preciso saber a
hora de se retirar, a minha única observação é que o autor em suas próximas
crônicas nos fale mais do presente lembrando que o verdadeiro homem
contemporâneo é o inatual.
por Chico Arruda, Mestre em Literatura pela UFRJ, professor e
cronista.
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